|
O INCONSCIENTE AVANÇA?
TOURINHO PERES Urania
L'inconscient ne se laisse plus faire comme au
temps de Freud et c'est là le grand tournant, la revision
déchirante à quoi, dans les années trente,
a dû s'astreindre leur technique.
O título-tema deste congresso me suscitou uma interrogação:
Podemos falar de avanços do inconsciente? Avanços
lacanianos do inconsciente freudiano? Pretendo uma comunicação
simples, ou seja, perguntar o que pode ser esse avanço do
inconsciente. E, então, trazer essa inquietação
para o nosso momento. Estamos avançando ou estamos estagnados,
presos na repetição? Muitos defendem a idéia
de modificação do inconsciente. Joël Dor chega
a dizer que Lacan relançou o inconsciente freudiano o mais
longe que lhe foi possível. E sabemos que o próprio
Lacan, em 1976, afirmou: Cette année, avec cet insu que sait
de l'une bévue, j'essaye d'introduire quelque chose qui va
plus loin que l'inconscient.
É possível pensar que a segunda tópica deu
um passo à frente em relação à primeira
e que a conceitualização da pulsão de morte
foi decisiva na compreensão da condição humana
que nos outorgou Freud, ou seja, presenciamos uma evolução
na teoria. Entretanto, não se pode negar o valor de textos
iniciais, como a Interpretação dos sonhos e a Psicopatologia
da vida quotidiana, para nos transmitir a noção do
inconsciente.
A ciência avança e nos traz teorias que superam outras
teorias. Thomas Kuhn, no seu livro A estrutura das revoluções
científicas, introduz o conceito de paradigma para dar conta
dos avanços no campo da ciência. Um novo paradigma
surge quando uma ciência está em crise. Interrogamos,
em um texto que intitulamos O paradigma lacaniano, se, de fato,
podemos considerar que a introdução dos três
registros da realidade humana - o Real, o Simbólico e o Imaginário
- implica em um novo paradigma que nos coloca frente a uma nova
psicanálise. Não cremos, ainda que seja importante
deixar claro que não lemos Lacan a partir de um amálgama
Freud-Lacan. Consideramos o lado criativo de sua doutrina, destacando
uma das suas importantes invenções dentro do nosso
campo: o objeto "a".
O verbo avançar, segundo o Dicionário etimológico
da língua portuguesa, de Cunha, significa 'andar para frente,
adiantar-se'. Quanto ao francês avancer, o dicionário
Le petit Robert I lhe atribui o significado de 'pousser, porter
en avance', e ao seu derivado avance, o de 'fait d'avancer, avantage,
profit'.
Na conferência pronunciada em 8 de julho de 1953 - onde são
lançados, pela primeira vez, os três registros da realidade
humana, ou seja, o Imaginário, o Simbólico e o Real
-, que ocupa importante lugar na leitura que então se propõe
realizar do texto freudiano, e que é quase um manifesto,
uma tomada de posição, Lacan nos interroga: O que
é esta experiência, singular entre todas, que vai trazer
a esse sujeito transformações tão profundas?
E o que são elas? Qual a sua mola? E responde, dizendo que,
há anos, elabora-se a doutrina analítica para responder
a esta questão. E, podemos acrescentar, também ele,
Lacan, vai prosseguir nessa direção de dar uma resposta
a uma pergunta que permanece sempre a mesma.
Essa pergunta sobre o que é a psicanálise irá
reaparecer em vários momentos de seu ensino, reafirmando
ser a indagação a única maneira de definir
a própria psicanálise. Em um dos últimos seminários,
em 10 de janeiro de 1978, acaba por afirmar a impossibilidade de
verdadeiramente encontrar uma resposta, a não ser mediante
uma demanda de análise, e pontua: demanda, a mim, uma análise.
É entre um analista particular e um analisante que essa resposta
pode ser procurada e, quem sabe, encontrada.
Assim pois, destacamos duas perguntas: O que é o inconsciente?
O que é a psicanálise? E vamos, então, questionar
a idéia de avanço.
Tomemos alguns textos de Lacan posteriores a 1975, que podemos considerar
como sendo testemunho de um final de vida. O que vamos encontrar
em suas próprias palavras é uma ambigüidade no
que se refere à sua relação com o texto freudiano.
Da mesma maneira que afirma sua absoluta fidelidade a Freud, afirma
também sua diferença em relação a ele.
Aliás, afirmativas contraditórias fazem parte da doutrina
lacaniana.
Na Ouverture de la section clinique (1977), são apontadas
incertezas em que se encontram os psicanalistas, e pode-se deduzir
que, em grande parte, são decorrentes de uma não clareza
da diferença, por ele colocada, quanto ao inconsciente freudiano.
Lacan chega a afirmar que o inconsciente não é de
Freud, mas de Lacan, ainda que o campo seja freudiano, e isso pelo
fato de Freud não ter feito como ele fez, ou seja, não
ter isolado o inconsciente pela função do simbólico,
apontada na noção de significante. E acaba por concluir
que a clínica psicanalítica consiste em interrogar
tudo o que Freud disse. Por outro lado, ainda nesse mesmo ano, em
C'est à la lecture de Freud, afirmou: Il suffit d'ouvrir
Freud à n'importe quelle page, pour être saisi du fait
qu'il ne s'agit que de langage dans ce qu'il nous découvre
de l'inconscient.
Na Ouverture du séminaire, le 10-11-1978 (À Ste.-Anne
- Prof. Deniker), faz um resumo de seu trajeto na psicanálise,
que nos é muito útil para nossa reflexão, e
que passamos a resumir e comentar. Inicia aludindo à sua
juventude, em 1954, quando então pretendeu, com o seu discurso,
retirar do freudismo tudo o que o encobria. Ele usa o verbo déblayer
- que, segundo Le petit Robert, significa 'débarraser (un
endroit) de ce qui encombre' - e afirma ter permanecido por seis
anos nesse trabalho de desvelar o inconsciente. Esse movimento o
conduziu progressivamente a realizar uma apresentação
do inconsciente que é de ordem matemática. Enfatizando
a palavra apresentação, diz apresentar a coisa sob
a forma, já engajada, do nó borromeano. O imaginário
sustenta o real, realiza o raciocínio matemático,
o que permite a articulação da topologia. Ce qui,
sous le nom de topologie, donne sa consistance au raisonnement mathématique,
fait partie du lien où le Symbolique et le Réel dépendent
l'un de l'autre. O simbólico, a linguagem, em relação
ao real é o que pode ser enunciado sob o nome de inconsciente.
L'inconscient, c'est le Symbolique, et c'est en cela qu'il tient
au Réel (...) le Réel c'est l'impossible: il est tout
à fait impossible que le langage régisse le Réel
(...) Cette prééminence du Symbolique sur le Réel,
c'est ce qui constitue à proprement parler l'inconscient.
Lacan conclui afirmando ter lançado mão da topologia,
o que há de mais avançado no raciocínio matemático,
na tentativa de compreender e présenter ce qu'il en était
de l'inconscient.
Esse esforço nos conduz a retomar a questão de onde
partimos e a indagar se há, de fato, avanço quanto
ao inconsciente freudiano, ou se esta tentativa de mostrar o inconsciente
não implica apenas um desenvolvimento teórico. A teoria
avança, mas não o inconsciente.
Nossa conclusão: A psicanálise avança, o teorizar
segue como um deslizar metonímico do desejo do psicanalista,
mas o inconsciente permanece freudiano, ele não avança,
e, por isso mesmo, Lacan lança mão do que há
de mais avançado na matemática para tentar, ainda
uma vez mais, defini-lo.
|
|