Para a Seção IV do Congresso de Convergência

SALAFIA Anabel


Freud nunca propôs que a finalidade da análise implicava uma identificação ao Ideal de ego que além disto é representado pelo analista. Ao contrário, suas expressões em oposição a esta opção são explícitas quando trata o problema da reação terapêutica negativa. No entanto, isto não impediu, que a finalidade da análise fosse planificada nestes termos e ainda hoje não impede que a mesma finalidade constitua um Ideal do qual se esperará uma satisfação que poderia estar desde do seu começo no horizonte da cura. O Ideal em questão parece seguir sendo do Ego. Talvez isto nos indica que, apesar de que Lacan separou a função do objeto causa como mola oculta na identificação desde os primeiros anos de sua docência, na transmissão da psicanálise poderíamos ter que considerar que o surgimento do discurso que toma o lugar do chamado discurso do Amo- ou do inconsciente-: o discurso relativo à capitalização da ciência. E o tipo de forclusão que este comporta.

O anterior não é somente uma evidência de que o laço social e o discurso são uma e a mesma coisa, senão que, hoje talvez o "retorno a Freud" é também o retorno a Lacan e seu desenvolvimento dos problemas cruciais Um deles diz respeito a três termos: a identificação, a transferência e a angústia. É sobre o fundo de uma função o da falta que Lacan articulou estes três termos e o objeto a surge à luz. Para localizar isto que Freud considerou o Complexo nuclear da neurose, o chamado complexo de castração. No entanto a causa terá que localizar-se entre a castração e a angústia para que o inconsciente freudiano requeira a dimensão do Outro.

"Ele não o sabia" o que constitui ao mesmo tempo a falta e a dimensão. O tempo desta coincidência é uma função do objeto a, cuja a única tradução subjetiva é a angústia, no entanto nós somos o objeto afetado pelo desejo do Outro.

A função desta falta é que a castração não podia localizar-se sem esta tradução que o inconsciente leva ao fim: identificando-se com a separação da causa, fazendo-se equivaler à castração, o desejo do analista é a função que faz com que "a " seja o agente suporte desta equivalência.

Lacan considera que Freud esta mais perto da possibilidade de encontrar o objeto- que neste caso deveria chamar-se "objeto-falta"- da angústia, no artigo sobre o Unheimlich, que nos textos dedicados a esta, sem dúvida porque ali trata-se da experiência no campo da ficção de que a falta pode faltar, ou seja, que um objeto pode ir ao lugar onde "a" falta - lugar que corresponde-se com o vazio que constitui a reserva libidinal do sujeito e que não aparece na imagem especular. (-phi, anota Lacan) - O efeito de saudosismo em relação à própria imagem, é o resultado da captura fascinante que exerce, a imagem no espelho, experiência incomunicável ao Outro, isto é, que não espera do Outro nenhuma sanção. Trata-se de uma experiência ficcional, ou seja, que concede a certa relação deste caráter entre a ciência e a verdade: Como pode faltar o que não tem imagem especular? Esta é a função de "a", testemunha da ablata-causa, do campo do inconsciente como este saber que falta à Verdade.

Esta função do Unheimlich é reveladora da estrutura do fantasma, único dispositivo que o sujeito se dá como intento de alcançar no Outro a imagem de seu desejo. Existe nisto uma certa pedagogia do desejo se considerarmos que o sujeito com seu fantasma nos ensina como aprendeu a desejar.

No entanto a ficção do Unheimlich não é sem relação com o real, o redobra ao fazer faltar a falta. Esta surge como senão, como conseqüência da entrada do real no simbólico dado que no real nada falta, o imaginário do Unheimlich ao fazer faltar a falta finge uma coincidência que não é tal - é obviamente diferente que a falta falte do fato de que nada falte - por tanto é a respeito do simbólico que o imaginário pode formula-se como dublê do real. A alucinação do dedo cortado no Hombre dos Lobos "realiza a castração" nesse sentido. É interessante marcar que a especulação própria do Umheimlich é uma forclusão da contingência sendo o seu revés, a coincidência.

O fantasma sustenta o desejo e a falta da falta é defesa em relação, não da angústia, mas, daquilo do qual a angústia é um sinal. Ou seja, a angústia está presente em qualquer dos dois casos, porém, não esta ligada à castração simbólica. Este é o ponto em que Freud se encontra quando deve explicar-se o "medo à castração" referente ao Complexo do mesmo nome assim como a falta do objeto quando se trata da angústia.

É claro que a falta da falta é situável na direção da cura nos diversos pontos que hão tido lugar na vida de um sujeito, sem que isto suponha uma forclusão do nome do pai. Porém, trata-se em cada oportunidade de algo que nos revela a necessidade de estabelecer uma articulação do inconsciente com o real através da função da falta.

Podemos considerar que era isto o que Freud procurava poder formular em Inibição, sintoma e angústia ao ordenar a perda de acordo com os cinco tipos que enuncia neste texto.

A dimensão da perda é inerente ao campo de seu descobrimento, ou seja, para Freud no campo que seu descobrimento gera ele, é o objeto. Lacan fará da perda a causa de: o objeto a. É metáfora, nos diz Lacan, chamá-lo de objeto porque com tal é externo a toda noção possível de objetividade.

Quanto mais se pretendemos uma coincidência entre o objetivo e o real. Lacan propõe uma objetividade que resulte de um pathos do corte.

O substrato da função da causa tem seu equivalente na libra de carne. Ou seja, que o objeto perdido nos diferentes níveis da experiência corporal repete à operação pela qual entramos na máquina formal da linguagem. Recordamos que Lacan vai definir a pulsão como conceito limite entre a lógica e o corpo.

Isto de que a angústia é sinal desta irredutibilidade da causa é definir a função do objeto a como resto, o que também significa objeto da identificação: a melancolia nos indica que o luto responde à lógica da falta e que a falta da falta, "a sombra" que Freud nos diz: "cai sobre o ego" não é unicamente metáfora senão função do objeto a: a mancha como falta lógica no campo escópico, que Freud introduz com esta metáfora na melancolia que é expressão da falta da falta. A função do luto é a da falta quando se trata da transmissão do amor como causa do desejo.

É este objeto que não faz relação (1) o que deveria permitir-nos avançar com o inconsciente freudiano? Em todo caso é este o que abriu o caminho da falta, que é o do azar, o da contingência, ou seja, o mesmo que a falta da falta, parece poder suspender.

A Verwerfung, a rejeição fora de todos os campos do Simbólico da castração é o que distingue ao discurso capitalista (2). A falta da falta é ali a rejeição das coisas do amor, não deveríamos espantar-nos de sua relação com o real.

No prefácio da edição inglesa do Seminário XI do 17-V-76 a propósito do objeto a Lacan diz: "O realizei por ter produzido a única idéia concebível do objeto, o da causa do desejo, ou seja do que falta.

A falta da falta constitui o real, que aparece ali como tampão. Este tampão que sustenta o termo impossível, cuja antinomia com toda verossimilitude nos demonstra o pouco que sabemos em matéria de real.

Anabel Salafia

 

Referências bibliográficas

Freud Sigmund. Lo siniestro . 1919. Biblioteca Nueva, Madrid. Tomo VII.

Freud Sigmund. Inhibición síntoma y angustia. 1925. Biblioteca Nueva, Madrid. Tomo VIII.

Lacan Jacques. L’angloisse. Séminaire 1962 – 1963. Publication Document A. F. I.

Lacan Jacques. Prefacio a la edición inglesa del Seminario XI. París. 17-V-1976.