O FILHO MORTO: DA FOLIE Á DEUX À PARANÓIA

LEZCANO Alicia Rita


"...Durante toda minha vida

vivi mais a morte

que a vida"

Salvador Dalí.

 

 

Este trabalho tenta assinalar alguns fatos para pensar una possível incidência no entraçado familiar da psicóse.uma leitura genealógica e cronológica me permite descobrir que nos casos de folie á deux aparece a morte de um filho e a impossibilidade materna de simbolizar dita perdida.

Em 1931, Lacan em colaboração com Pierre Mignault e Henri Claude publica nos Anais Médicos desse ano, um trabalho que antecipa seu interesse pela psicose.

Os autores situam sua apresentação como casos de delírio de dois, localizados como "loucuras simultâneas" em oposição à doutrina clássica de contágio mental ou "loucura comunicada". (1)

Não é neste debate onde radica o interesse desta pesquisa; senão em assinalar como ponto conjuntural: a perdida dum filho e as dificuldades de ser mãe de outros filhos vivos.

Ambos casos de delírio de dois se referm a uma mãe e uma filha.

No primeiro a mãe e a filha Rob. A mãe apresenta um delírio "paranóico"; enquanto que a filha uma "psicose interpretativa atípica". Além desta filha, filha natural, não reconhecida, a mãe tinha tido do mesmo pai mais dois filhos, aos que confiou ao orfanato, e dois gêmeos mortos ao nascer. Esta perdida é coincidente com o início da doença.

Escuta vozes que lhe dizem "que matou a seu filho" (2). A filha é considerada perigosa pelas suas práticas bizarras e depois da morte de seu irmão. Ambas mulheres viveram ilhadas, sustentando seu delírio.

No segundo caso as Gol A mãe parece haver sido a primeira em delirar e rapidamente a filha a tem seguido em suas interpretações. Filha única e como no caso anterior, filha natural.

Se na realidade social destas mulheres está ausente a figura masculina; igualmente desenrolam concepções sobre a fecundidade e a procriação. A jovem Blanche, ordena todo seu delírio em relação a esse conceito chave que é a maternidade. Diz ser "violentada" pelo criador e outras vezes ser "virgem". (3)

Pregunta-se "que é uma mãe? Uma dama que se tem asseado e a quem a prefeitura lhe tem instalado uma criança".(4)

Penso que entre a pergunta e a resposta não há lugar para nenhum pai; para ser mãe, é necessário permanecer virgem.

Filha natural que por falta de filhação paterna ficam consequentemente encerradas mãe e fillha em um isolamento social.

Não há referentes por fora desse outro materno congelado o lugar de "um amor puro". Um ano depois (1932), Lacan em sua tese, dá ênfase à importância do isolamento social no "casal psicológico" constituido frequentemente por uma mãe e uma filha ou duas irmãs. Ressalta: O laço afetivo intensíssimo que ligou Aimée particularmente com sua mãe.(5)

Sabemos o verdadeiro nome da Aimée de Lacan era Marguerite, o mesmo nome que sua avó, materna e paterna. A Aimée a antecede uma irmã também chamada Marguerite que nasce aos 8 meses do casamento dos seus pais e morre "acidentalmente" (6) aos 5 anos. Aos 7 meses nasce morto um filho do casal Baptiste Pantaine e ao ano nasce Aimée, a segunda Marguerite.

A loucura de Aimée se desencadeia na sua primeira gravidez, e o delírio toma corpo com o nascimento do filho morto.

Uma segunda gravidez faz regressar um estado depressivo, ansiedade; interpretações análogas onde todas ameaçam a seu filho.

Lacan escreve " ... o papel dos estados puerperais é manifesto clinicamente e parece ter atuado como detonador. Às duas gravidezes responderam os dois brotamentos iniciais do delírio" (7).

Aimée com seus pesadelos, seu delírio e em seus escritos tenta velar esse lugar mortífero, que ao não ficar limitado pelo simbólico reaparece uma e outra vez.

Sua psicose está dirigida ao plúblico fazendo saber "a despreocupação das mães frívolas" (8).

Os estudos de Jean Allouch se dirigem a essa impossibilidade de ser a substituta da morta da qual, Marguerite leva o nome.

Sigamos a tramitação deste lugar em uma figura pública como salvador Dalí. Este pintor, escritor, escultor e cineasta tem procurado em suas personagens entretecer sua própria filiação. Tenta escrever as marcas da sua história por meio de suas pinceladas, nas letras de seus escritos ou nas linhas e formas das peças escultóricas.

Salvador Dalí nasceu em Figueras, em 11 de maio de 1904 aos nove meses da morte de seu irmão também chamado Salvador; fato que comenta:

"...Desesperados meu pai e minha mãe não encontraram consolo mais que na minha chegada ao mundo. Eu me parecia a meu irmão como se parecem duas gotas d´água.. Pelo tanto eu era sem nenhuma dúvida viável" (9).

Então, aos olhos de seus pais este segundo Salvador é o substituto dum morto.

Gesta-se entre o luto e a imagem de seu irmão cujo retrato se alçava no quarto de seus pais junto ao Cristo crucificado de Velázquez.

Um só altar para adorar ao Salvador morto e ao Salvador Cristo.

Sua conceipção se produz neste mesmo altar, em este não- lugar.

Nos diz: "desenho para deixar de ser". Nasce com um nome que paradoxicamente não lhe é próprio. À idade de 10 anos, realiza seu primeiro auto- retrato e o titula: "A criança doente". Uma nova nominação que vem a denunciar sua origem. Toda sua arte e sua vida mesma teve a missão de contruir outra filiação.

Seus pais lhe deram o sobrenome Dalí, que em catalão significa desejo e o nome de Salvador carregado de sentido para estes pais.

Sem embargo, ele mesmo, desvia esse sentido com a certeza de ser o "Salvador [mas] da pintura ameaçada de morte pela arte abstrata" (10).

Diz : "...Só quero ser Salvador Dalí e nenhuma outra

coisa; mas a medida que me acerco a essa meta

se afasta de mim Salvador Dalí" (11).

Em 1922 começaram a se publicar em espanhol, as Obras Completas de Freud. Dalí as lia tomo a tomo a medida que apareciam e não só se interessava pelos textos sobre a arte como Gradiva, Leonardo da Vinci, o Moisés; senão que depois de ler a interpretação dos sonhos escreve:

" Pareceu-me um dos descobrimentos capitais da

minha vida e se apoderou de mim um verdadeiro

vicio de auto-interpretação, não só dos sonhos,

senão de todo o que me acontecia, por mais

causal que parecesse à primeira vista" (12).

Em 1936 pinta "A metamorfose de Narciso" que em julho do segundo ano, na visita que lhe faz a Freud, Dalí lhe mostrará este quadro e um poema escrito por ele mesmo e dirá:

São "o primeiro poema e o primeiro quadro

conseguidos enteramente segundo a aplicação

íntegra do método paranóico- crítico...

Leit- motiv do meu pensamento, da minha

Estética e minha vida: morte e ressurreição" (13).

Dalí nos evoca a seu "duplo antecipado e prematuro". Sua criação segue a trajetória de seu drama para ser "um morto- vivo" e fugir do destino trágico.

O quadro representa a busqueda da sua própria "fonte" e finaliza com um "novo Narciso"; Gala sua amada.

"Gala meu narciso" (14) e Galo, o nome de seu avô vêm a produzir uma eficácia na nominação assinalando seus quadros: Galadalí, sua dupla salvadora, que anula a origem de ser só um substituto.

Dalí descobre com Gala a chave freudiana desse amor que acaba de nascer e que só a morte interrompeu. Nos diz:

"Ela seria minha Gradiva (a que avança), minha deusa da

Vitória, minha mulher..

E ela me curou graças à potência

indomável e insondável de seu amor." (15)

Gala é sua amante, amiga, musa, modelo e protagonista de seus quadrosaté nos lugares mais insuspeitáveis. Será por sobre todas as coisas um novo nome próprio.

Em 1933, na revista Minotaure, Dalí publica um trabalho com valor de tese a partir do quadro de Jean- François Millet: "O Ângelus".

A semelhança de Freud, Dalí, otorga-lhe um relato a esta obra de arte cuja reprodução via desde criança no corredor da sua escola.

Escreve um livro: "O Mito trágico do Ângelus de Millet", desenrolando exemplarmente o "método paranóico crítico".

Uma mistura de realidade, lembranças e ficção o coduziram a uma intesão que se convertirá em tese: "esse grande tema mítico da morte do filho".

Dalí se pregunta , Qual é a pena aconchegadora destes camponeses? Um filho morto que não aparece explicitamente no quadro? Como resposta fará surgir uma terceira personagem que representará obsessivamente em seus quadros. Numerosas versões do Ângelus, o convertiram em uma constução aquitetônica; o que reroduzirá ao lado de Gala e o verá entre as rochas de Catalunha e será o fundo do retrato de seu irmão.

Aclara-nos que no caso do Ângelus sua "produtividade delirante não é da ordem visual senão simplismente psíquica" (16).

Seu lápis, o pincel se bem seguem o contorno das formas; no argumento de seu drama que nos transmite nos desenhos, estampilhas,selos, lápides.

Esse grande tema mítico da morte do filho, lhe foi confirmado, uma vez terminada sua tese.

Nos laboratórios do museu do Louvre, examina-se por vez primeira O Ângelus de Millet por meio dum estudo radigráfico. A placa verifica a presença de uma mancha escura de pintura cobrindo parte dum pequeño paralelepípedo no mesmo lugar que assinalou Salvador Dalí. Logo depois se toma conhecimento que Millet tinha pintado, entre os dois camponeses piedosamente recolhidos, um ataúde que continha a seu filho morto, à direita, perto dos pés da mãe. Segundo certa correspôndencia, um amigo de Millet que morava em Paris, tinha o posto ao tanto do desprezo por temas melodramáticos de mais. Convencido Millet cobriu ao filho morto com uma mão de pintura que simulava a terra. Isto explicaria a angústia dessas duas figuras em solidão. Explicação que Dalí já não necessitava porque toda sua interpretação paranóica correspondeu à necessidade de fundamentar cada sucesso, cada sensação corporal por meio dum sistema pessoal de significações.

Sua atividade criadora e imaginativa o levou ao exibicionismo mostrando sua tentativa permanente de velar com um saber esse lugar mortífero.

Assim com extravagância e coragem extremo tem decidido se converter em um homem público. Celebra o acontecimento de seu nascimento se expressando em terceira pessoa como frequentemente o fazia para se referir a ele mesmo:

"Que soem todas as campas!

... O famoso do mundo nasce sem nenhum trauma!

Que o camponês corcundo sobre o campo endireite suas costas curvadas

Como a oliveira retorcida pela tramontana!" (17)

 

Salvador Dalí se tinha convertido numa "marca registrada", em todo tipo de objetos desde as pastilhas Alka- Celser, selos e jóias.

Assinava numerosas folhas e quadros em branco, que possibilitavam sua multiplicação ilegítima; mas seu interesse radicou na transcendência.

Ao artista não lhe bastava seu próprio espelho; senão que necessitava outros olhares de si mesmo. Seus quadros, os jornais, as revistas, a televisão, nem seus admiradores seriam suficientes.

Para um Natal, dia especial do nascimento do Salvador, Dalí percorreu as ruas de Nova Iorque com uma campainha agitando-a, sempre tinha a impressão de que a gente não lhe dedicava a suficiente atenção; expresando:

"Resultava-me insuportável

pensar que podia não ser reconhecido" (18)

 

 

Fiel a si mesmo até o último dia, internado na clínica Quirón de Barcelona, seguia os informes sobre sua saúde,difundidos pela cadeia catalã. Desejava ouvir falar de si mesmo e saber se todo ia bem ou se morreria com prontidão.

Duas paixões: a vida e a morte acompanharam toda sua arte.

 

 

 

 

__________________________________________

  1. Annales Médico- Psychologiques, seance du 21 Mai 1931 p.483
  2. Idem p.484
  3. Idem p.488
  4. Idem p.488
  5. Lacan y de la psicosis paranoica en sus relaciones con la personalidad, siglo XXI, Mexico 1976 p.200
  6. Idem p 159
  7. Idem p.190
  8. Idem p.151
  9. S. Dalí, La vie secréte de S. Dalí,1984 p.3-4
  10. S. Dalí Diario de un Genio, Tusqurts España 1998
  11. Video Conferencias
  12. Dalí Monumental Bs.As. Psicoanálisis p.44
  13. S.Dalí La metamorfosis de Narciso. Poema paranoico, en sí, Barcelona, Ariel, 1997, p.173
  14. Idem
  15. Dalí, La vie secréte p.181-189-191
  16. Dalí S. El mito trágico del Angelus de Millet p.46
  17. Descharnes- Néret. Dalí . Cap. "Un Dandy ante su espejo" p.7-8
  18. Idem p.8

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia

 

Allouch,Jean -Margurite, Lacan la llamaba Aimée- Epele- Mexico 1995

Dalí, Salvador - Confesiones inconfesables

- Diario de un Genio, Tusquet España 1998.

    • El Mito trágico de "El Angelus de Millet" Tusquets Barcelona 1998
    • Monumental Dalí exposición en Bs.As. 1999
    • Video Exposición Bs.As. 1999

Descharnes- Néret

    • Dalí- Taschen, Lisboa, London,New York, Paris, Tokyo.

Lacan, Jacques

    • De la psicosis paranoica y su relación con la Personalidad Siglo XXI-Mexico1976.

Lacan, Claude y Migault.

- Locuras Simultáneas, Anales Médicos- Psyhchologiques, sesion21 de mayo 1931.

Litoral 23/24

- Ejercicio de artista- EDELP-Arg. Córdoba, abril 1997

Litoral 17 - La función del duelo- EDELP- Arg. Córdoba, octubre 1994

Litoral 15 - Saber de la locura- EDELP- Arg.- Córdoba, octubre 1993

Palma, Sabatino Cacho

- Apuntes para Lunáticos, Homo Sapiens- Arg. Rosario 1998

Pommier, Gérard

- Louis de la Nada, Amorrortu Arg. BsAS. 1999.

Rolando, H. Karothy

- Dalí y Lacan, Ficha de la Escuela Freudiana de Bs.As.

Vegh, Isidoro - Las Psicosis nos enseñan, Sem. Esc. Freudiana de Bs.As. 1992.

Wermer, Johannes

    • El arte y sus creadores 24, Historia 16 Valeriano Bozal.

 

 

 

 

ALICIA LEZCANO

ARAOZ 2879 4ºC

TEL: 4804-5480

E-mail elcuervo@movi.com.ar