A Invenção do Inconsciente e o Fenômeno Psicossomático

HEINRICH Haydée


Haydée Heinrich

email: haydeeh@starmail.com

Convergência Paris 2001

II: O inconsciente estruturado como uma linguagem

Na Conferência de Ginebra sobre el Sintoma, em resposta a una pergunta, Lacan faz una indicação a primeira vista surpreendente respeito a a cura da psicossomática: "podemos esperar que o inconsciente, a invenção do inconsciente, possa servir para algo". (1)

Vou tentar despregar como poderia entender-se esta afirmação, já que creio encontrar ali, efectivamente, una recomendação lacaniana precisa acerca da abordagem clínica da difícil questão do fenômeno psicossomático, na medida em que não é uma formação do inconsciente.

A meu modo de ver, esta afirmação de Lacan de 1973 pode argumentar-se desde a lógica despregada desde o Seminário XI respeito do surgimento do significante no campo do Outro, com sus conseguientes efeitos de alienação e afanise. É no contexto de estas reflexõe que Lacan propõe que no fenômeno psicossomático "a indução significante a nível do Sujeito tem transcorrido de um modo que no põe en jogo a afanisis do Sujeito". E um pouco mais por diante reitera que ali "já não podemos mais ter em conta a função afanisis do Sujeito". (2)

A os fins que nos ocupam, entendo que es conveniente diferenciar o "efeito" afanisis – en tanto efeito da alienação significante, e definido por Lacan como la desaparição do Sujeito baixo os significantes que o representam – da "função" afanisis, que seria um tempo posterior e que consistiria na posta em jogo de essa desaparição.

Esta função afanisis – que já não pode ser levada em conta no fenômeno psicossomático – consiste em interrogar os significantes da demanda do Outro com la própria desaparição (aprendida no tempo precedente, o tempo da alienação significante) Ώpode me perder?

Somente a posta em jogo da função afanise permite descompletar a indução significante proveniente do Outro; assim, mediante a função afanise o Sujeito ataca a cadeia significante do Outro em seu ponto mais dévil, o do intervalo(3), fazendo aparecer ali o desejo do Outro, mais- além de sua demanda.

É na lúnula que intercepta a falta do Sujeito e a falta do Outro que Lacan nos ensina a situar ao Inconsciente.

Pelo contrário, quando a função afanise no pode ser posta em jogo, é dizer, quando os significantes do Outro no podem ser interrogados, não pode aparecer o intervalo entre S1 e S2 e "a primeiro casal de significantes se solidifica, se holofrasea". (4)

Creio que la particularidade do fenômeno psicossomático consiste em que, quando isto acontece e quando ademais essa indução significante não interrogada tem a característica de interferir com una função biológica, esta pode ver-se afetada.

Ao igual que no caso do cão de Pavlov, quem "ao não ser até o presente um ser que fala, não está destinado a pôr en questão o desejo do experimentador" (5) , também no parletre, o gozo do Outro pode ser veiculizado por una demanda que –longe de recortar um objeto pulsional- aponta ao real do corpo e que, ao não ser interrogada se volta holofrásica, pudendo de este modo afetar una função biológica.

Sem embargo, não é o significante holofrásico quem produz diretamente a lesão, coisa que seria difícil de pensar, somente tem a capacidade inquestionável de alterar a função biológica. Pelo tanto, aos fins de pensar nossa incidência clínica desde a psicanálise, creio que é válido diferenciar um primeiro tempo no que a indução significante holofrásica pode alterar o ritmo e normal desenvolvimento de uma função biológica, e um segundo tempo, no que esse funcionamento alterado, deslocado, pode lesionar o real do tecido. Basta com pensar nas conseqüências que pode ter sobre o organismo, p.ex. que la secreção gástrica -destinada a desintegrar um trozo de carne- atui perante o som de uma campã erosionando as paredes do estômago.

Agora bem, se esta questão nos interessa é porque, como sabemos, funcões biológicas há muitas, desde o simples exemplo da secreção gástrica do cão de Pavlov até as mais complexas regulações do sistema autoinmune e podemos supor que todas elas poderiam ver-se afetadas de este modo. (6)

Qual será a função biológica escolhida, dependerá seguramente das modalidades de gozo do Outro, seja sobre o aparato digestivo, respiratório, a incidência do olhar do Outro sobre a pele, etc. Esta presencia do Outro sobre um corpo ao que não permite funcionar só, iniciada provavelmente em um tempo no que o Sujeito não conta ainda com recursos como para interrogar esse gozo, faz que essa função biológica difícilmente possa ser esquecida como para adotar um funcionamento autônomo.

Sem embargo, também existe outro tipo de lesões nas que o gozo do Outro não se concentra em uma particular função do organismo, senão que exerce sobre o Sujeito uma pressão que – ao não ser questionável – se faz igualmente excessiva. ΏComo pensar por exemplo a hipertensão arterial, as afeções cardíacas ou as doenças auto-imunes? Tal vez em estes casos a presencia do Outro produza essa perplexidade orgânica comummente conhecida como "stress", à que Lacan se refere no Seminário X, e que terá assim mesmo a capacidade de alterar os distintos órgãos involucrados. (7) (8)

Voltando então a nossa pergunta de início, diremos que, quando una demanda do Outro, algum acontecimento traumático, alguma perdida sofrida pelo Sujeito, alguma irrupção do Real não pôde ser interrogada e não aparece em conseqüência o intervalo entre os significantes, esses significantes haverão deixado de comportar-se como tais, tendo passado a ser puros signos plenos de sentido. Já não serão aptos asssim, para produzir metáfora ni metonímia, e em conseqüência já não poderão ser tramitados mediante as formações do inconsciente. Serão signos holofrásicos que terão deixado fora de jogo ao Inconsciente que deverá ser reinventado na análise.

Não poder responder com a leviandade do significante, com a equivocidade do significante, produzindo formações do inconsciente, deixa ao sujeito indefenso e a demanda do Outro pode impactar diretamente sobre o corpo. A meu entender, não se trata então na análise de interrogar a lesão, senão de interrogar essa demanda holofrásica que não pôde ser interrogada pelo sujeito. ΏQué foi o que funcionou como signo e provocou que o inconsciente ficara fora de jogo?

Creio que a idéia é poder interrogar esse signo, reintroduzir ali a dimensão do significante e do mal-entendido, poder levantar o peso aplastante do signo que não pôde ser questionado. Interrogar essas demandas junto ao Sujeito, como para que possam ser tramitadas pela via significante e das formações do inconsciente.

 

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(1)  J. Lacan - Conferencia de Ginebra – Intervenciones y Textos II – Ed. Manantial

(2)  J. Lacan - Seminario XI – Capítulo XVII (Respuestas) (Ecrits, Ed. Du Seuil)

(3)  J. Lacan - (Posición del Inconsciente, Escritos II – Siglo XXI) "Separare, se parare: para guarecerse del significante bajo el cual sucumbe, el sujeto ataca a la cadena, que hemos reducido a lo más justa de

un binarismo, en su punto de intervalo. El intervalo que se repite, la más radical estructura de la cadena significante, es el lugar frecuentado por la metonimia, vehículo, por lo menos eso enseñamos, del deseo."

(4) J. Lacan – Seminario XI – Capítulo XVIII – punto 2. (Ecrits. Ed. Du Seuil)

(5) idem 4.

(6) Véase Irma Peusner "Apoptosis y Pulsión de Muerte" en "Cuando la Neurosis no es de Transferencia" de Haydée Heinrich – Homo Sapiens Ediciones.

(7) J. Lacan – Seminario X – (inédito)  "En resumen, llegar al punto en que la demanda hecha a la función -algo que más recientemente y en otras áreas culturales se teorizó con el término de "stress"- puede culminar, desembocar en esa suerte de déficit que supera a la función misma, que interesa al aparato de manera que lo modifica, más allá del registro de la respuesta funcional, lo que en las huellas durables que engendra confina más o menos con el déficit lesional."

(8) Véanse las clases de Irma Peusner en el seminario "Lacan<>Pavlov – Hacia una lógica de la respuesta psicosomática" - Seminario inédito de H.Heinrich e I. Peusner – Escuela Freudiana de Buenos Aires, 2000. (Publicación en preparación)