INCONSCIENTE E TRANSFERÊNCIA, EM PSICANÁLISE COM CRIANÇAS.
SEÇÃO: A TRANSFERÊNCIA COMO PORTA EM OBRA DO INCOSCIENTE.

GURMAN Isidoro


Foi o desejo de Freud o que abriu a possibilidade de que um pai se dirigisse a ele para lhe consultar pela angústia e a fobia ulterior da sua criança de cinco anos. Podemos afirmar então, que uma criança nunca vem sozinho, suas angústias, inibições e sintomas propõem um interrogante. Com que ignorância confronta aos pais?. Como localizar o inconsciente e a transferência em estas condições clínicas?.

O padecimento duma criança pontua o texto familiar ou aporta uma nova letra, que como Freud o diz no "Moisés e a religião monoteísta" desarticula o texto, originando uma insistência que transtorna a escrita.

Digamos que a criança com seu mal-estar introduz uma diferença, entanto manifesta uma verdade que até um momento determinado podia ser ignorada. .(1)

Pego o modelo do "Moisés..." entanto que Freud, reconhecendo-se como parte do povo judeu, questiona o texto consagrado, monstrando que nos falsos enlaces, as desarticulações, operam suturas que tentam consolidar a imagem do pai idealizado.

Freud interroga o texto como analista e furando-o gera um questionamento que não é sem consequências para o lugar que ocupa o "Grão-homem" no mesmo texto que o consagra como tal.

Freud como filho do povo judeu questiona a história, e atira um interrogante: "Se Moisés fosse egípcio?".

Atualização do trauma, velado pela história, que ao dizer de Freud é verossímil mas não necessariamente verdadeira.

Em "introdução do narcisismo" Freud assinala as consequências que pode ter para a criança, o fato que desde o que ele representa para o amor narcisista, fiquem canceladas qualquer referência à doença, a morte, o sofrimento. (2)

Parafraseando a Freud em seu trabalho sobre o "Inconsciente", podemos dizer que no "altero" que a criança apresenta, pode se ler o inconsciente como aquilo ignorado em relação à paternidade, a maternidade, o ser homem, o ser mulher, a diferença sexual, a morte. (3). No capítulo V do trabalho nomeado pode se ler: "a modo de síntese deve se dizer que o Ics, continua-se nos chamados "rebentos", é atingível às vicissitudes da vida, influi de contínuo sobre o "Pcs", e à sua vez está sometido a influências de parte deste". "O estudo dos rebentos do Ics vai deparar um radical desengano a nossas espetativas de obter uma separação esquematicamente limpa entre os dois sistemas psíquicos... A isto replicaremos que não nos propusemos senão transpôr os resultados de uma observação a uma teoria".

Dar-lhe a palavra a uma criança na entrevista com os pais é embaraçosa em consequências, sabe melhor que ninguém o valor das mesmas, intervem como uma espécie de "analista silvestre", com relação aos mesmos, com os que está em uma transferência que o obriga a calar.

Se a consulta começa pelo "fala-se duma criança", o dispositivo analítico, que inclui ao analista, oferece o ponto de referência onde pode advir uma "criança que diz", através do fato de tomar a palavra, incluindo desenhos, deslocamentos no espaço, gestos. A transferência muda que a criança sostem com os pais, é movilizada pela presença de analista, que não sabe como está implicado em esse trípode configurado pelo lembrar, repetir, elaborar.

No caso da consulta por uma criança "Isso" que dela se diz convoca não somente aos pais, senão que educadores, pediatras, assistentes sociais, etc, têm sempre algo para "informar".

É em "Inibição, sintoma e angústia" que Freud localiza o infantil em redor a três questões:

A)- Prematurção.

B)- Dependência pontual de um objeto único.

C)- Evolução da sexualidade em dois tempos.

A dependência pontual de um objeto único, é a condição que Freud trabalha no capítulo "enamoramento e hipnose" de "Psicologia das massas e análise do Eu.". É em estas condições que a intervensão de um analista pode fazer possível que lhes sejam otorgadas pelos pais a uma criança, aquelas palavras que permitam sua integração ao mundo simbólico, via sua história familiar.

De esta forma podemos retomar a recomendação Freudiana ao pai de Joãozinho: "diga-lhe à criança na ocasião propícia". Transferência que possibilita que o pai doe a palavra à criança, limitando a vertente imaginária dos fantasmas construidos a partir das teorias sexuais infantis. Claro que estas últimas, não são só das crianças, posto que a mãe de Joãozinho frente à pregunta da criança, se tem ou não isso que se supõe que deve ser grande como a de um cavalo responde: "Pois claro que você supunha".

Leito de rocha o chamou Freud em "Análise terminável e interminável", questão a levar em conta quando as palavras da criança interrogam aos pais.

É em condição de transferência que o pai se dirige a Freud, comentando-lhe a dificuldade que encontra, no fato de que quando se ausenta, a mãe o aconchega no leito.

O comentário de Freud de que a mãe cumpre com o destino inexorável que lhe está atribuido, abre à questão do que pode ser transitado em uma análise de crianças.

A pontuação Freudiana de que a criança está isolada, e lhe faltam os parceiros de jogo e que sua única possibilidade exogâmica consiste em um olhar na que se vê uma garotinha, me trai a lembrança de uma intensa fobia em um garotinho que morava só com sua mãe desquitada, intensamente deprimida, à que reclamava que o levara à praça. Quando pôde recorrer à mãe de um amigo, que acedeu a levá-lo quando acompanhava a seu filho, sua sintomatologia cedeu. A análise lhe possibilitou a construção desse laço social através do qual se pôde limitar o gozo materno.

Qual é o modo que tem o analista de participar no tempo em que a criança se está comprometendo na via de se realizar como sujeito?.

Talvez o que Freud comenta da observação de seu neto no tão conhecido jogo do carretel, pode-nos dar uma idéia do modo em que a presença de um analista dá conta de um tempo constituinte.

Se o carretel é o objeto, a ausência da mãe da vivência traumática, o jogo, o representante da representação, é sobre este último que poderá recair a repressão propriamente dita.

Permitir a posta em jogo, acompanhando à criança, talvez seja a operatória pela qual este pode se incluir, jogo mediante, em esse lugar em que operam os equívocos dos discursos que o tem como objeto.

Se o sonho da " Injeção a Irma" evidência como quem se está constituindo lida com todos os discursos que a ele se referem, e a questão da culpa que implica a dívida entre pai e filho constitui o tema do sonho: Pai não vê que estou ardendo?, entre estes dois sonhos, o que inagura a interpretação dos sonhos e o que abre o capítulo destinado à síntese teórica, encontramos os fios precisos do que podemos considerar a prática labiríntica da psicanálise com crianças (4):

 

 

1)- É o que diz: "O rei está nu".

2)- Herdeiro do Eu Ideal, um deslocamento de valor, como Freud o designa no fetichismo, o transforma no que pode velar ou revelar a castração dos pais.

3)- O inquietantemente estranho no seio familiar.

4) Os fios aos quais me refiro fazem à questão do super-Eu. Como duplo do Id