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TEMPO DE DURAÇÃO DE UMA ANÁLISE
FERREIRA Nadia Paulo
Como pensar o tempo de duração de uma análise sem
colocar em cena o gozo e o desejo? Do sujeito ao corpo se trama uma história
nos limites do significante. Para além desta fronteira, um resto
inassimilável subsiste na ordem do excesso. Ficar sentado na cadeira
de balanço, matando o tempo, produz angústia, tristeza e
outros infortúnios... A questão é que todos estes
sofrimentos atravessam o corpo, lugar onde o gozo se aninha.
Em uma análise, é preciso que o sujeito reconstrua sua história
para se aproximar da cena, onde se teceram as ficções que
o encarceram numa posição subjetiva. É preciso, ainda,
dar um passo a mais, transpor esta cena e levantar o véu, que encobre
a posição de objeto em relação à fantasia
inconsciente que o sujeito fabricou sobre o desejo do Outro. Se a relação
do sujeito com o Outro engendra a significação e as singularidades
do gozo, em algum ponto desta relação, coagulou-se um sentido,
constituindo-se, desta forma, a fantasia fundamental. Sem o desvelamento
desta fantasia (travessia da fantasia), o sujeito não experimenta
na carne o gozo que retirou de suas renúncias. Justamente por isto,
persiste em se oferecer ao Outro para ser amado e para ser gozado. Para
além desta imagem desfeita, aparece, em toda sua magia, o véu
de maia com a função de velar o vazio e de possibilitar
a produção de novas ficções, que irão
sustentar os sonhos, tecidos um por um pela falta que mantém acesa
a chama do desejo.
Da conjunção do imaginário com o simbólico
surge o real, sob a forma de cifrado. O deciframento do real pelo simbólico
resulta no imaginário, lugar da dimensão do sentido. No
Seminário 21, Les nons-dupes errant (Os não-tolos erram),
1973-1974, na Lição 1, de 13 de novembro de 1973, o imaginário,
definido como "intuição daquilo a ser simbolizado",
se articula com o gozo, na medida em que há sempre "um vago
gozo" no deciframento. Se o inconsciente não pára de
tecer relações, o nó da questão reside no
fato de que o saber, elaborado por este trabalhador incansável,
produz gozo. Os processos de elaboração do sonho (trabalho
do sonho), que são os mesmos da linguagem (metáfora e metonímia),
elaboram "a operação de ciframento" dos sonhos
a serviço do gozo. Diz Lacan: "as coisas são feitas
para que no ciframento se ganhe alguma coisa, (...) a saber um ganho de
prazer". O sono está a serviço do gozo assim como o
sonho é feito para proteger o sono. Mas o sonho é efeito
do trabalho do inconsciente e, como tal, tecido letra a letra pelo desejo.
É por isso que Lacan, no referido seminário, diz que o sonho
é feito, justamente, pelo que "poderia incomodar o sono".
Estamos diante de um paradoxo: o que protege o sono, na sua função
de gozo, é o que perturba o sono. Os mecanismos de elaboração
do sonho têm como função cifrar o desejo, ou seja,
dissimular o que atrapalha o gozo. É no deciframento do sonho que
a estrutura do desejo se revela. O que está verdadeiramente em
jogo não é um desejo, que, por ter sido recalcado, retorna
sob a forma de enigma para ser realizado na fantasia, mas sim a estrutura,
que, por ser perfurada, torna impossível a realização
do desejo.
É lógico que não estou negando a importância
que os relatos do sonho têm em uma análise. Sabemos, desde
Freud, que o sonho é uma das vias onde o desejo recalcado aparece
de forma enigmática e onde o amor de transferência transparece
com toda sua força impactante, apontando para o lugar que o sujeito-suposto-saber
ocupa para o sujeito em análise. Mas o inconsciente não
pára de produzir de saber, sob a forma de mensagens cifradas, que
irão comparecer no sonho e na fala, onde o que é dito não
era o que se tinha intenção de dizer. A existência
do inconsciente não é sinônimo de neurose. O término
de uma análise não elimina o saber inconsciente nem as rachaduras
que nele se inscrevem, velando o impossível da relação
sexual. A causa da neurose está na paixão pela ignorância,
ou seja, na persistência de não querer saber do desejo e
da singularidade de seu gozo. A repetição deste não
querer saber desloca o recalcado em seu retorno para o próprio
sujeito. Se o corpo também faz parte da estrutura, o que não
é acolhido pela consciência irá se alojar no real
do corpo, produzindo gozo. As belas almas sofrem o rechaço do inconsciente,
mas não se implicam em seus pecados, porque há sempre alguém
para encarnar suas faltas morais. O Outro, reduzido ao outro, funciona
como uma espécie de pára-raios de todas as traições.
Mesmo sendo impossível a substancialização do Outro,
escolhe-se um pato pela via da especularização .
Além de seu desejo e de seu gozo, há o enigma do desejo
do Outro e do gozo do Outro-sexo, fazendo com que habitemos um mundo regido
pela palavra, reino da discórdia. A visada de uma análise
não deveria ser o despertar de um sujeito desejante? A análise
não deveria conduzir à aprendizagem do sujeito em relação
à precariedade do gozo? Não é disto que o neurótico
não quer saber? Sim. E, justamente por isto, prefere ficar se torturando
na suposição do que deveria ser o desejo do Outro, o que
se declina na eterna demanda de amor do Outro, cujo desfecho não
é outro senão colocar o sujeito refém dos afetos,
que se traçam em torno de suas renúncias e das traições
do Outro. E mais, diante deste Outro, evocado no gozo do Outro-sexo, e
na impossibilidade de um gozo-a-mais, uma análise não deveria
conduzir a outra escolha ética: "Deixar a esse Outro seu modo
de gozo, eis o que só se poderia fazer não impondo o nosso,
não o considerando como um subdesenvolvido "? (1)
Mas, mesmo assim, há aqueles que praticam a psicanálise
como se o tratamento não tivesse fim. Sem levantar questões
mercantis, quero apontar para o engodo ético que não só
contribui para reforçar a ficção de que Outro tem
forma e substância, mas também para fortalecer uma "aliança
terapêutica" entre analista e analisando, que se sustenta nos
vínculos forjados pelas argamassas que obturam as estruturas de
falta-a-ser e de falta de objeto .
É certo que uma travessia analítica requer um tempo que
não pode ser estabelecido pelas horas do relógio. Cada um,
na sua singularidade, tem seu instante de ver, seu tempo para compreender
e seu momento de concluir. Nem tudo depende do analista. O analisando
irá também se deparar com uma escolha ética. Mas
como praticar a ética da psicanálise, se o analista goza
com sua escuta ou com o amor que lhe é dirigido pela força
arrebatadora da transferência? Neste caso, a análise não
estaria contribuindo para que o sujeito permanecesse na posição
de objeto de gozo do Outro: - Eu falo, você escuta. Eu amo, você
se sente amado. Nós gozamos... Estamos diante de uma análise
sem fim, onde o dispositivo analítico, colocado a serviço
do gozo do analista, inviabiliza o advento de um sujeito desejante, a
conquista do bem-dizer, a destituição do Outro como ser,
eliminando, desta forma, qualquer possibilidade de uma nova relação
do sujeito com a pulsão. Estamos diante de um tratamento analítico
que se dirige exclusivamente para a decifração do saber
inconsciente. É lógico que alguns efeitos terapêuticos
se produzem, na medida em que o gozo retirado do sintoma é substituído
pelo gozo da decifração. O preço a ser pago é
o de uma análise interminável, já que o inconsciente
não pára de trabalhar e de produzir mensagens cifradas.
BIBLIOGRAFIA
LACAN, Jacques. Télévision. Paris: Seuil, 1974.
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1 - LACAN, Jacques. Televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1993, p.
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