Significância e Realidade

ELIA Luciano


Partiremos, neste trabalho, da retomada de uma proposição fundamental e primeira de Lacan, que, embora esteja associada a um escrito, abre, por assim dizer, seu ensino oral, dando início aos seus seminários, e que concerne diretamente ao inconsciente, tema deste Congresso: "O inconsciente é estruturado como uma linguagem". Sabemos que, mais tarde, Lacan virá a dizer que esta fórmula, que se tornou um lema de seu ensino, é redundante: tudo o que é estruturado, o é como uma linguagem, bastando, assim, dizer: "o inconsciente é estruturado".

Dizer, portanto, que o inconsciente é estruturado, ou seja, que ele é como uma linguagem, é dizer que o inconsciente é regido pela ordem do significante. No entanto, nem tudo na estrutura do inconsciente é significante: existe o registro do objeto – objeto dito por Lacan pequeno a – e existe o registro de tudo o que reveste o registro do objeto, ou seja, o registro dos objetos, que, assumindo a significação que depende do significante Falo(Ф), pode, a justo tнtulo, ser chamado de "campo da realidade".

Digamos, imediatamente, que a ordem do significante não é disjunta, alheia ou indiferente às ordens do objeto a e da realidade, como campo da significação fálica dos objetos imaginários, tessitura do fantasma. É em função da própria incidência do significante como tal – queremos dizer, do próprio significante como significante, e não como qualquer coisa de diferente dele – que o objeto a se coloca. É também, no mesmo golpe, em decorrência da incidência do significante enquanto o nome-do-pai o faz valer como lei que o falo se situa como o "significante da significação", isto é, como o significante que terá como função estabelecer a ordem das significações, marcar os objetos imaginários, lugares-tenentes do objeto a, com a sua significação, a significação fálica, j , efeito imaginário do significante falo, F .

Fica evidenciado que estamos procurando articular uma proposição fundamental e primeira de Lacan – o inconsciente estruturado como uma linguagem – que data de 1953, fundando, assim, o que Jean-Claude Milner nomeia "o primeiro classicismo" de Lacan, com a elaboração do nó borromeano, que nodula os três registros – RSI, Real, Simbólico e Imaginário – que data do Livro 22 do seu Seminário, intitulado RSI, de 1974, 21 anos depois, e que está no cerne do que o mesmo Milner nomeia de "segundo classicismo" de Lacan. O que se passou entre esses dois momentos, na teorização lacaniana, concernindo à estrutura do inconsciente? Como não depreender, da teoria dos nós, que RSI, ou seja, o nó borromeano, constitua a própria estrutura do inconsciente, que não poderia, portanto, ser co-extensiva à ordem do significante enquanto tal, isto é, o Simbólico, e incluindo necessariamente o Real e o Imaginário?

Assim, se o inconsciente é estruturado, sua estrutura não poderia coincidir com o registro do Simbólico, mas deve incluir o Real – que concerne não apenas ao objeto a mas ao sujeito no nível de seu "ser" – o ser do sujeito, ser der significância, como dirá Lacan no Seminário XX (Encore) – e o Imaginário, que é o registro no qual o ser encontra sua consistência através da significação fálica.

O que é a realidade do sujeito, senão a conjunção do real irrepresentável simbólica e imaginariamente com o irreal do significante? Trata-se da conjunção entre o plano da irrealidade introduzida no mundo dos seres falantes pelo significante, que dá a toda realidade humana esta tonalidade de "irrealidade", este "pouco de realidade", próprio a tudo que é simbólico, e o plano do real. É neste interstício que o imaginário encontra seu lugar, como registro que caracteriza a realidade.

O que seria uma estrutura que não incluísse o real? O que seria um real que não fizesse parte da estrutura (RSI) ou do qual pudéssemos dizer que ele "não é estruturado"? Uma estrutura que excluísse o real seria uma estrutura puramente racional, vazia, incompatível com a própria noção de significante. Um real fora da estrutura seria o inefável, ou o lugar do misticismo, que os psicanalistas, ao não incluírem no que quer que tomem como a estrutura que convém à experiência psicanalítica, deixariam de fora do discurso que estrutura a sua prática.

Ora, a estrutura que convém à psicanálise é uma estrutura irredutível à ordem simbólica, que, por ser por ela afetada, deixa inclusive de ser consistente, tornando-se furada, o que é evidenciado pela notação de um significante da falta no Outro (S(A)), ou seja, o campo do significante do qual se extraiu o objeto, e no qual se incluiu o Falo, tornando-se campo do gozo.

A categoria de "estrutura" perde, assim, o caráter totalizante que lhe conferem nossos preconceitos, no mesmo golpe em que perde também a sua consistência, tornando-se uma estrutura "furada", insuturável.

Podemos, para finalizar, considerar os destinos da estrutura do inconsciente, assim concebida, na experiência analítica.

Antes da análise, a estrutura é uma estrutura clínica: neurose, perversão, psicose. De outro lado, o analista, que, evidentemente, não é o nome de uma estrutura, e de quem se supõe ter atravessado a experiência analítica até o seu término. Uma reflexão sobre estes simples elementos nos leva a dizer que a experiência analítica não resulta em uma estrutura nova. Tampouco poderíamos admitir que ela deixa intacta a estrutura dita clínica, aquela que se apresenta à análise no início de sua trajetória, daquele que levou sua análise até o fim.

Estas reflexões colocam a questão da cura em pauta. O que é cura em análise? Sabemos que a cura não é a erradicação do sintoma ou a eliminação da fantasia, já que estas categorias não tem em psicanálise o mesmo sentido que em medicina ou psicologia.

A fantasia faz sua entrada na análise pela porta da transferência. No entanto, se nenhuma questão se coloca ao sujeito sob a forma de um enigma no plano do saber, ou seja, se nenhum interrogante se insurge, como corpo estranho ao saber do sujeito, a incidir sobre o próprio desdobrar transferencial da fantasia, nada poderá introduzir o sujeito no trabalho da análise – na Durcharbeitung freudiana – que não teria, assim, nenhum motivo para se iniciar. Podemos dizer que a própria instalação da transferência sob o fundo da repetição depende da formulação do sintoma analítico como enigma de saber.

O sintoma clínico, como o que se constitui como enigma no campo do saber, o interrogante da fantasia que se desdobra na transferência, constituindo-a, desaparece, às vezes em pouco tempo de análise. Dá lugar, então, ao sintoma irredutível, o sinthoma, o resto ineliminável, marca do desnível que é o sujeito entre os registros – RSI – que constituem o nó em sua forma mais reduzida.

Do mesmo modo, a fantasia, uma vez atravessada, permite a escrita do gozo em letras que compõem um corpo, um corpo de letras de gozo, que o cifram como resultado da decifração da névoa de gozo que a fantasia promovia em torno da malha significante que a sustentava. Mas não é eliminada. "Pois ele [o sujeito na passagem a analista] rejeitou o ser que não sabia da causa de seu fantasma, no momento mesmo em que, enfim, este saber suposto, ele se o tornou", dirá Lacan.

Nem o sintoma é erradicado, tornando-se sinthoma, nem a fantasia deixa de haver. Há, contudo, uma profunda, radical e inegável transformação. Que destino tem o inconsciente na análise?

Pensamos que, se analista não é o nome de uma nova estrutura, e se, em contrapartida, a estrutura clínica é analisada, o que significa que não pode ser a mesma antes e depois da análise, o inconsciente tampouco pode ser o mesmo antes e depois da análise, porquanto ele é coextensivo à estrutura: ele deve tornar-se outro.

O analista não deixa de ser e estar sujeito ao inconsciente. Mas ele se faz a tal ponto sujeito ao inconsciente que passa a ocupar um lugar na estrutura do inconsciente, de tal modo que se faz equivalente a este ponto da estrutura no qual a causa de seu fantasma deixa de lhe ser opaca (o analista recusa o ser que nada sabia da causa de seu fantasma), invisível que se fazia por trás da névoa que escondia a malha de saber que o sustentava, assim como a causa de seu desejo deixa de obcecar-lhe como um graal a conquistar, permitindo que, sua função de causa, ela possa cumprir: se a causa deve causar o desejo, que então o faça, ali onde o desejo se torna um ato.