A respeito da inscrição de um saber no lugar
da verdade
COHEN Veronica
O primeiro avance de Lacan a partir de Freud é o inconsciente
estruturado como uma linguagem. A partir dos seus desenvolvimentos sobre
a questão da hipótese freudiana de uma só inscrição
no inconsciente.
Embora nos anos 60 não foi tão simples compreender sua formulação.
Aquilo que hoje podemos desenrolar levou seu tempo:
A formulação de Lacan estava sustentada pelo que chamou
razão freudiana. Freud chega à hipótese de: uma inscrição
ou dupla inscrição? em A metapsicologia onde se pergunta:
mudança de estado ou nova inscrição em lugar diferente?
A resposta é muito simples e é definitiva: "Onde ele
era, o sujeito deve advir".
Se trata de um processo no mesmo lugar e em distinto tempo, em um tempo
lógico. Uma só inscrição.
O Sujeito nasce em um universo da linguagem.
Essa linguagem sobre o corpo imprime, talha e marca. Funda a pulsão
borde de um buraco onde havia um vazio que permite a inscrição,
a incorporação à linguagem.
Lacan retoma a questão no Escrito A ciência e a verdade,
classe 1 do Seminário 'O objeto da psicanálise', que diz
assim:
"Não é só na teoria onde se apresenta a questão
da dupla inscricão, para haver provocado a perplexidade em que
meus alunos Laplanche e Leclaire haviam podido ler na sua própria
cisão, na maneira de abordar o problema, sua solução."
Lacan apresenta o problema da dupla inscrição e diz: "não
se trata duma dupla inscrição":"A inscrição
não morde o mesmo lado do pergaminho, vindo da chapa de imprimir
a verdade ou a do Saber".
O qué é que sucede nessa encruzilhada da psicanálise
nesse momento que são os anos 60?
Ainda se confunde o traço com sua multiplicidade.
Lacan não diz do inconsciente e a conciência, se não
da 'chapa de imprimir do lado da verdade e do lado do saber', avança
a partir da topografia de Freud em uma topologia de superficies que apresenta
a Banda de Moebius fundamentando uma só inscrição.
Nesse momento, nessa época, ao meu entender, se faz uma leitura
dessa frase que não vai más além do narcisismo do
nome própio. O nome própio é só um significante
que apresenta ao sujeito para outros significantes sob os quais se pode
pôr. Lacan propõe que esses significantes sejam os da razão
freudiana: uma leitura onde o saber está no lugar da verdade.
Ao meu entender Lacan lhe propõe a Jean Laplanche que se deixe
imprimir pela verdade do dizer de Freud.
Lacan articula inconsciente e consciência, saber e verdade como
estruturas topológicas e é definitivo, 'não há
dupla inscrição'.
O inconsciente é um lugar do sujeito onde ele fala sem que o sujeito
saiba. Está profundamente recomposto por esses efeitos de retroação
do significante implicados na palavra. A conciência não deixa
trás de si rasto algum.
Há uma geometria "pre-freudiana", uma geometria do plano,
euclidiana. A de Freud é uma geometria projetiva. Lacan parte de
Freud e constroi o inconsciente com uma topologia de superficies.
O traço é só uma marca, uma inscrição
primeira que lhe vem do Outro da linguagem, o lugar de uma "nomeação
latente" no ato da enunciação, nucleo e 'coração
falante do sujeito', um lugar, um buraco, traço onde havia um vazio.
Há uma inscrição primeira que vai ter que ver com
esse "onde ele era, o sujeito deve advir". O trabalho do sujeito
é advir no seu dizer. Esse dizer atua retroativamente sobre essa
inscrição primeira.
Se diz apoiando numa causa.
A formulação 'nomeação latente' é
também um avance e desenvolvimento da formulação
de Freud 'onde ele era o sujeito deve advir', na via do inconsciente estruturado
como uma linguagem e na via de uma só inscrição e
a idéia de mudança de estado no mesmo lugar em distinto
tempo.
Tomar o corpo como o biológico, não como o corpo falante
implica como problema a noção de represão originária.
O encontro é da linguagem com o corpo pulsado pelo significante,
não há outra anterioridade.
Não há encontro a priori com o biológico. Não
há outro a priori que a existência da linguagem, do simbólico.
É a linguagem sobre o corpo que funda esse traço, fura um
vazio.
Nesse momento Lacan se opôe à confusão de corpo sexualizado
com corpo biológico. Com a biologia como fundamento, se enche o
lugar do vazio com alguma classe de saber, com alguma classe de ser; neste
caso, o ser biológico.
A questão nesse momento e ainda agora é por-se sob um significante.
Quando? Onde? No mesmo dizer. Se sob uma verdade dita ou sob o saber que
a rejeita.
A nomeação não é mas que sob qué significantes
se pôe um nome a partir da enunciação. Uma inscrição,
um lugar de enunciação latente que vai se encontrar logo
com uma série, com uma trama de significantes.
Essa identificação ao traço 1 é ao inconsciente.
Há nessa inscrição primeira uma nomeação
latente. A questão então é, ao meu ver, despir-se
do narcisismo do nome próprio para deixar que represente a um sujeito
para outros significantes produzidos. O sujeto produz, descobre sua inscrição
nas mesmas referências desta inscrição. Advir como
sujeito não é outra coisa que colocar-se sob os significantes
fundamentais que se produzen na transferência e nomean esse lugar
primeiro que os estava esperando.
Como analistas, neste mundo possível que é o discurso da
psicanálise a partir de Freud, uma inscrição: Freudianos.
Sabemos com Lacan que é numa série lacaniana.
Referência:
Freud, S. Projeto de psicologia para neurólogos
Metapsicologia
O block maravilhoso
Além do princípio de prazer
Lacan, J. Seminário "O objeto da psicanálise"
Seminário XXIV
Laplanche, Leclaire, Pontalis e Green
"O inconsciente freudiano e a psicanálise francesa contemporânea"
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